segunda-feira, 5 de maio de 2008

Reflexões sobre educação musical nas escolas

O ponto de partida deste texto é uma discussão sobre educação musical que tive há uns anos atrás com um músico amigo. Na ocasião ele me assinalou o que considerava o maior defeito dos métodos empregados para desenvolver um trabalho de musicalização infantil. A impressão dessa conversa ficou gravada para sempre e me mostrou um caminho a seguir.

Há quem considere que ensinar música ou disciplinas artísticas não é necessário, que deveria ser considerada uma disciplina complementar e não obrigatória. Mas eu não pretendo entrar nessa discussão, deixo para o amigo a função de ler os incontáveis textos que filósofos e educadores tem escrito desde os tempos de Platão e Aristóteles até hoje. Feito isso tire suas próprias conclusões.

O que me leva a escrever este texto são os métodos usados para ensinar música nas escolas. Que coisas ficaram do meu estudo de matemática? As coisas que eu uso no dia-a-dia. Imagino que para quem não vai fazer da música uma profissão e um estilo de vida o ensino tem que ter uma função prática similar. E a nossa maior prática musical é ouvir música.

A discussão referida no início tratava sobre a inutilidade de mandar toda uma turminha de anjos comprar uma inocente flauta doce. Quando o professor se depara com a turma, quarenta crianças enlouquecidas na pesquisa mais empírica de multifônicos...não há ouvido que agüente! De quê serve esse gasto de dinheiro? (Fica claro para o leitor que eu não tenho uma loja de venda de instrumentos musicais.)

Eu não quero negar o mérito de alguns professores que conseguem tirar leite das pedras e fazem um trabalho interessante. Mas dessas quarenta crianças, dificilmente duas continuem tocando passados dois anos. Algumas só vão lembrar do fato quando fizerem 90 anos...

O interesse pelo estudo de música começa sempre pela audição. Dou aula de música há anos em escolas, conservatórios, oficinas, projetos sociais e nunca vi alguém chegar sem uma mínima idéia de que tipo de música pretende interpretar. Então vamos iniciar o estudo de música ouvindo música, fazendo da audição de música um momento de introspecção, um momento de auto-conhecimento, um momento de descoberta do mundo. Ouvir é reconhecer que o silêncio não existe, é reconhecer fontes sonoras, descobrir que o som é produto de fenômenos acústicos e que depende muito do ambiente onde se propaga.

Adoro escutar música com meu amigo Diogo de Haro, mestre em piano pela UFRGS. Ele aperta o play. Se alguém fala alguma coisa ele aperta pause. A pessoa fala. Ele escuta. Terminado o comentário, ele coloca play de novo. Ele não escuta música enquanto se fala. Tanto a fala quanto a música viram uma coisa supérflua. Isto é algo que os professores de música podiam fazer. Isto seria saudável. A música ficou banalizada quando apareceu o aparelho de som. Posso ter música a toda hora então nunca presto atenção.

Para concluir queria apontar caminhos para esse trabalho de educação musical através da audição. A uns anos atrás assisti apavorado à dificuldade de uma aluna universitária de música (bacharelado em piano) que confundia os timbres do oboé e do clarinete. Era desesperador. Porque se uma pessoa que está estudando em uma universidade não consegue essa ‘façanha’ que podemos esperar do público leigo.

Por outro lado, a uns dias atrás fui visitar minha família. Festa de Natal. Presentes. Minha mãe comprou para minha sobrinha de cinco anos “Pedro e o lobo”, filme de Walt Disney. O filme é uma leitura visual da obra homônima do compositor russo Serguei Prokofiev. Basicamente é um conto de um menino camponês que decide caçar um lobo. O interessante é que cada personagem está associado a um instrumento: o pato é o oboé, o gato é o clarinete, o passarinho é a flauta, o avô é o fagote e assim por diante. Umas poucas horas depois de assistir o filme fui mostrar uma peça para oboé para minha mãe. Minha sobrinha parou no meio da sala e perguntou: “-Que está acontecendo com o pato?”

Marcelo Villena - Músico

Um comentário:

Alberto Ritter Tusi disse...

Muito bom!!

Como diria o professor Cunha "O ouvido é o principal instrumento do músico", (E tenho certeza que ele diria também o "Muito bom!!" lá de cima, hehe).

Gosto muito do música de POA, espero em breve poder participar com alguma composição minha.

Um abraço, Alberto Ritter (Calouro, de composição 2009).